quinta-feira, julho 27, 2006

Por um segundo mais feliz


"Todos os dias troco um dia da minha vida por uma noite de sono. Tudo o que faço é importante.Ás vezes penso que o tempo é a moeda da existência... troco 10 minutos da minha vida por uma caneca de chá e um pão com queijo, 20 por um pouco de informação, 3 por um sorriso pepsodent... ás vezes pedem-me ajuda e digo que não tenho tempo, como quem acena uma nota de mil por não ter trocado. Sou egoísta, é um facto, mas a verdade é que estou a dar parte de mim, da minha existência, por uma causa que não me pertence. E será isso justo? Claro que ninguém se importa de dar uma tarde inteira de si por um banho de mar... mas quantos o fariam espontaneamente por um ataque epiléptico? Quantos o fariam por uma expectativa? A verdade é que, bem ou mal gerido, o nosso tempo é escasso, e cada vez nos resta menos troco. Longe vai o tempo em que, como crianças, brincávamos com moedas pequenas!, longe vai o tempo em que nada durava mais que 10 minutos, em que não se faziam projectos a longo prazo, e em que ninguém pensava no que seria quando crescesse... depois de adultos já só pensamos nas notas, e nos empreendimentos de uma vida inteira... nada nos realiza se for pequeno, nada nos atrai se for grande demais. A vida toda chega perfeitamente."
.
(JDurães, in o outro dia)

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Temos que deitar abaixo o passado
e tal como se constrói
andar por andar, janela por janela,
e o edifício sobe
assim, vamos descendo
telhas quebradas primeiro,
depois orgulhosas portas,
até que do passado
começa a sair pó
como se se batesse
contra o chão,
começa a sair fumo
como se houvesse fogo,
e cada novo dia
brilha
como um prato
vazio:
não há nada, não houve nada:
é preciso enchê-lo de novas e espaçosas
rações,
então, para o fundo
o dia de ontem cai
à água do passado
como num poço,
à cisterna
daquilo que já não tem voz nem fogo,
É dificil
habituar os ossos
a perderem-se,
os olhos
a cerrarem-se
mas
fazêmo-lo
sem o saber:
tudo era vivo,
vivo, vivo, vivo
como um peixe escarlate
mas o tempo
com a noite e um pano
foi apagando
o peixe e o seu tremor:
na água na água na água
vai caindo o passado
ainda que se agarre
a espinhos
e raízes:
partiu partiu e de nada valem
as recordações:
já a pálpebra sombria
cobriu a luz do olho
e aquilo que vivia
já não vive
e o que fomos já não somos.
E a palavra ainda que as letras tenham
iguais transparências e vogais
agora é outra e outra é a boca:
a mesma boca é outra boca agora:
mudaram os lábios, a pele, a circulação,
outro ser ocupou o nosso esqueleto:
aquele que vivia em nós já não está:
partiu, mas se chamarem, responderemos
"Aqui estou" e sabe-se que não estamos,
pois aquele que estava, esteve, mas perdeu-se:
perdeu-se no passado e já não volta.

(Pablo Neruda, Passado, in Plenos Poderes)

8/03/2006 9:59 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Do tempo

Deus nos pede do tempo estreita conta!
É preciso dar conta a Deus do tempo!
Mas como dar, do tempo, tanta conta,
Se se perde sem conta tanto tempo?!

Para fazer a tempo a minha conta,
Dado me foi, por conta, muito tempo,
Mas não cuidei no tempo e foi-se a conta...
Eis-me agora sem conta... eis-me sem tempo.

Ó vós, que tendes tempo e tendes conta,
Não o gasteis, por nunca, em passatempo,
Cuidai, enquanto é tempo, o terdes conta.

Ah! Se quem esta conta de seu tempo
Tivesse feito, a tempo, preço e conta,
Não chorava, sem conta, o não ter tempo.

Frei Castelo Branco Sec. XVII

8/24/2006 11:04 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home